Dividir opiniões geralmente é um fardo de surrealistas ou daqueles que usam de violência extrema, cenas explícitas e além, mas Rian Johnson o carrega mesmo sendo um diretor contido visualmente, quase nunca conseguindo atingir um consenso entre público e crítica. Alguns o consideram um dos maiores gênios do cinema atual enquanto outros o dispensam como um cineasta sem técnica e ultrapretensioso. Apesar dessa divisão atingir o ápice com Star Wars: Os Últimos Jedi (2017), ela é carregada desde sua estreia com A Ponta de um Crime (2005), um filme simples de uma única piada que enlouqueceu os críticos na época, passando também pela televisão quando dirigiu o episódio mais polêmico de Breaking Bad (2008 – 2013) em "Fly", episódio sobre uma mosca que entra no laboratório de Walter White provocando uma “contaminação” que os fãs ainda não chegaram em um consenso até hoje se é um dos piores ou melhores da série.


O que Johnson sempre fez na carreira é pegar um conceito primariamente simples e trabalhá-lo até explorar todas suas possibilidades, sem nunca divagar ou abrir pontas que não vai fechar, seja com uma máfia infantil (A Ponta de um Crime), com assassinos do futuro que eventualmente tem que se matar (Looper: Assassinos do Futuro) ou com o preço do poder (Ozymandias - Breaking Bad). É com Entre Facas e Segredos (2019) e talvez a mais simples de suas premissas trabalhadas (Quem é o assassino?), no entanto, que Rian conseguiu, pelo menos no cinema, melhor executar seu conhecido estilo optando por explorar ao máximo não apenas o conceito inicial mas as convenções do gênero. Ele cria uma experiência imersiva nos colocando na pele de duas personagens, Marta Cabrera (Ana de Armas) representando nossa estranheza à excêntrica família Thrombeys, que permeia a história, e Benoit Blanc (Daniel Craig), o detetive que junto ao público vai desvendando o mistério a cada pista ou possível motivo apresentado. O diretor aprofunda ainda mais a imersão do espectador ao utilizar a mansão como personagem integral a história, uma personagem com características que se desenvolvem durante a trama como uma escada barulhenta, ou uma janela secreta.


O filme não esconde suas influências, a mais clara delas o filme Os Sete Suspeitos (1985), que por sua vez é baseado no jogo de tabuleiros Detetive, chegando ao ponto de dentro do próprio filme o Tentente Elliot chega a comentar "essa mansão parece um tabuleiro de detetive". Sua outra grande influência foram os livros de Agatha Christie, que traziam assassinatos familiares em ambientes fechados e seu detetive de quase sempre Hercule Poirot, este último que mesmo não estando fisicamente presente no filme aparece em sentimento através do detetive Benoit Blanc, magistralmente interpretado por Daniel Craig, ator que já havia se provado seus talentos cômicos em Logan Lucky: Roubo em Família (2017), e mostra novamente que se o chegar da idade o tirar dos filmes de ação, não será razão para ele se preocupar.

Não apenas Daniel Craig brilha neste que é um dos, se não o melhor elenco de todo ano. Ana de Armas, que vem cada vez mais chamando a atenção de grandes diretores em menores papéis, tem com Marta Cabrera o maior papel de sua carreira até então e aproveita cada segundo dele, sendo o coração da história, e representando o já citado olhar de estranheza do público à família de ricos excêntricos que é o foco da história, os Thrombey. Falando sobre Os Thrombeys, Christopher Plummer interpreta o chefe da família e apesar do pouco tempo de tela deixa sua marca, conseguindo criar um personagem complexo no bem escrito Harlan Thrombey. Toni Collete é um espetáculo em qualquer papel que faça e aqui não é diferente com a dissimulada Joni Thrombey. Michael Shannon está um pouco abaixo do seu comum em um personagem um pouco esquecível, porém um dos melhores atores da atualidade não estando no seu melhor ainda apresenta uma qualidade notável. Jamie Lee Curtis está engraçada como sempre e o diretor entende suas limitações dramáticas, a colocando num papel moldado para ela. Por fim Chris Evans, que nos últimos anos se ateve a papéis de bom moço, aqui interpreta cheio de carisma um Badboy caótico que lembra bastante seu personagem em Scott Pilgrim Contra o Mundo (2010).


Nos menores papéis, Lakeith Stanfield entrega o mesmo trabalho excelente de sempre, sendo admirável o fato do ator estar sempre em papéis variados e nunca cair em um estilo de atuação. Noah Segan aqui funciona como um alívio cômico, mesmo dentro de uma comédia. Sua personagem é a escolha pontual pra quebra de tensão em um filme carregado dela e funciona em quase toda piada. A grande surpresa do filme fica a cargo de Katherine Langford, com uma personagem com mais camadas do que a princípio aparenta e uma atuação de nível superior às outras apresentadas pela atriz anteriormente.

O trabalho brilhante da edição é o maior destaque técnico do filme, conseguindo misturar perfeitamente a tensão do mistério e o humor das situações e personagens ridículas. A história flerta com vários gêneros sem nunca ficar desinteressante ou desbalanceada, com boas escolhas também feitas sobre em qual cena reprisar por um outro ângulo, recurso interessante para o desembrulhar do mistério, e quando inserir essa reprise na história. O filme envolve de tal forma que as diversas cenas repetidas já citadas em nenhum momento cansam, e o humor que flutua durante toda a história é certeiro, o filme é hilário e, se observado apenas o âmbito cômico, pode ser o filme mais engraçado do ano.


Rian acaba perdendo a mão no roteiro em alguns momentos e não consegue se livrar dos diálogos expositivos, o que é entendível dada a necessidade de apresentar um elenco tão grande e explicar ao público os desdobramentos do mistério. Outro ponto em que se perde o tom é no comentário político-social que o filme faz, a história era mais que suficiente para perpetuar a mensagem e sutileza deveria ser o caminho a se seguir, mas ao colocar a mensagem no diálogo dos personagens repetidas vezes acaba diminuindo o impacto da mesma.

Entre Facas e Segredos é mais que apenas um mistério de assassinato, não perguntando apenas "quem?" mas também "porquê?" "como?" "com o quê?", um filme que sempre acha novos rumos para se tomar e mesmo assim consegue amarrar todos eles, constantemente engraçado e genuinamente emotivo, que tem como objetivo principal o entretenimento de seu público. Com duas horas e dez minutos que passam voando, é um filme pipoca em sua melhor forma.



Nota 9/10

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