Crítica - Entre Facas e Segredos (2019)
Dividir opiniões geralmente é um fardo de surrealistas ou daqueles que usam de violência extrema, cenas explícitas e além, mas Rian Johnson o carrega mesmo sendo um diretor contido visualmente, quase nunca conseguindo atingir um consenso entre público e crítica. Alguns o consideram um dos maiores gênios do cinema atual enquanto outros o
dispensam como um cineasta sem técnica e ultrapretensioso. Apesar dessa divisão
atingir o ápice com Star Wars: Os Últimos Jedi (2017), ela é carregada desde
sua estreia com A Ponta de um Crime (2005), um filme simples de uma única piada
que enlouqueceu os críticos na época, passando também pela televisão quando
dirigiu o episódio mais polêmico de Breaking Bad (2008 – 2013) em
"Fly", episódio sobre uma mosca que entra no laboratório de Walter
White provocando uma “contaminação” que os fãs ainda não chegaram em um
consenso até hoje se é um dos piores ou melhores da série.
O que Johnson sempre fez na carreira é pegar um conceito
primariamente simples e trabalhá-lo até explorar todas suas possibilidades, sem
nunca divagar ou abrir pontas que não vai fechar, seja com uma máfia infantil
(A Ponta de um Crime), com assassinos do futuro que eventualmente tem que se
matar (Looper: Assassinos do Futuro) ou com o preço do poder (Ozymandias -
Breaking Bad). É com Entre Facas e Segredos (2019) e talvez a mais simples de
suas premissas trabalhadas (Quem é o assassino?), no entanto, que Rian
conseguiu, pelo menos no cinema, melhor executar seu conhecido estilo optando por explorar ao máximo não apenas o conceito inicial mas as convenções do gênero. Ele cria uma experiência imersiva nos colocando na pele de duas personagens, Marta Cabrera (Ana de Armas) representando nossa estranheza à excêntrica família Thrombeys, que permeia a história, e Benoit Blanc (Daniel Craig), o detetive que junto ao público vai desvendando o mistério a cada pista ou possível motivo apresentado. O diretor aprofunda ainda mais a imersão do espectador ao utilizar a mansão como personagem integral a história, uma personagem com características que se desenvolvem durante a trama como uma escada barulhenta, ou uma janela secreta.
O filme não esconde suas influências, a mais clara delas o
filme Os Sete Suspeitos (1985), que por sua vez é baseado no jogo de tabuleiros
Detetive, chegando ao ponto de dentro do próprio filme o Tentente Elliot chega
a comentar "essa mansão parece um tabuleiro de detetive". Sua outra
grande influência foram os livros de Agatha Christie, que traziam assassinatos
familiares em ambientes fechados e seu detetive de quase sempre Hercule Poirot,
este último que mesmo não estando fisicamente presente no filme aparece em
sentimento através do detetive Benoit Blanc, magistralmente interpretado por
Daniel Craig, ator que já havia se provado seus talentos cômicos em Logan
Lucky: Roubo em Família (2017), e mostra novamente que se o chegar da idade o
tirar dos filmes de ação, não será razão para ele se preocupar.
Não apenas Daniel Craig brilha neste que é um dos, se não o
melhor elenco de todo ano. Ana de Armas, que vem cada vez mais chamando a
atenção de grandes diretores em menores papéis, tem com Marta Cabrera o maior
papel de sua carreira até então e aproveita cada segundo dele, sendo o coração
da história, e representando o já citado olhar de estranheza do público à família de ricos
excêntricos que é o foco da história, os Thrombey. Falando sobre Os Thrombeys, Christopher Plummer interpreta o chefe da
família e apesar do pouco tempo de tela deixa sua marca, conseguindo criar um
personagem complexo no bem escrito Harlan Thrombey. Toni Collete é um
espetáculo em qualquer papel que faça e aqui não é diferente com a dissimulada Joni Thrombey. Michael Shannon está um pouco abaixo do seu comum em um
personagem um pouco esquecível, porém um dos melhores atores da atualidade não
estando no seu melhor ainda apresenta uma qualidade notável. Jamie Lee Curtis
está engraçada como sempre e o diretor entende suas limitações dramáticas, a
colocando num papel moldado para ela. Por fim Chris Evans, que nos últimos anos
se ateve a papéis de bom moço, aqui interpreta cheio de carisma um Badboy
caótico que lembra bastante seu personagem em Scott Pilgrim Contra o Mundo
(2010).
Nos menores papéis, Lakeith Stanfield entrega o mesmo
trabalho excelente de sempre, sendo admirável o fato do ator estar sempre em
papéis variados e nunca cair em um estilo de atuação. Noah Segan aqui funciona
como um alívio cômico, mesmo dentro de uma comédia. Sua personagem é a escolha
pontual pra quebra de tensão em um filme carregado dela e funciona em quase
toda piada. A grande surpresa do filme fica a cargo de Katherine Langford, com
uma personagem com mais camadas do que a princípio aparenta e uma atuação de
nível superior às outras apresentadas pela atriz anteriormente.
O trabalho brilhante da edição é o maior destaque técnico do
filme, conseguindo misturar perfeitamente a tensão do mistério e o humor das
situações e personagens ridículas. A história flerta com vários gêneros sem
nunca ficar desinteressante ou desbalanceada, com boas escolhas também feitas
sobre em qual cena reprisar por um outro ângulo, recurso interessante para o
desembrulhar do mistério, e quando inserir essa reprise na história. O filme
envolve de tal forma que as diversas cenas repetidas já citadas em nenhum
momento cansam, e o humor que flutua durante toda a história é certeiro, o
filme é hilário e, se observado apenas o âmbito cômico, pode ser o filme mais
engraçado do ano.
Rian acaba perdendo a mão no roteiro em alguns momentos e não
consegue se livrar dos diálogos expositivos, o que é entendível dada a
necessidade de apresentar um elenco tão grande e explicar ao público os
desdobramentos do mistério. Outro ponto em que se perde o tom é no comentário
político-social que o filme faz, a história era mais que suficiente para
perpetuar a mensagem e sutileza deveria ser o caminho a se seguir, mas ao
colocar a mensagem no diálogo dos personagens repetidas vezes acaba diminuindo
o impacto da mesma.
Entre Facas e Segredos é mais que apenas um mistério de assassinato, não perguntando apenas "quem?" mas também "porquê?" "como?" "com o quê?", um filme que sempre acha novos rumos
para se tomar e mesmo assim consegue amarrar todos eles, constantemente
engraçado e genuinamente emotivo, que tem como objetivo principal o
entretenimento de seu público. Com duas horas e dez minutos que passam voando,
é um filme pipoca em sua melhor forma.
Nota 9/10
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