2019 foi com sobras o melhor ano para o cinema no século XXI, acima da média não apenas na quantidade de bons filmes mas também na qualidade de seus melhores, assim tornando reduzir a lista para apenas dez ou até mesmo trinta filmes uma tarefa não tão fácil. Eu posso garantir que pelo menos mais filmes que os votantes do Oscar eu assisti durante o ano mas logicamente assistir a todos os lançamentos é algo que ninguém conseguiria realizar e entre os não assistidos que fizeram barulho em festivais, foram queridinhos da crítica ou mesmo é um novo projeto de um diretor que eu admiro seus trabalhos anteriores estão: O Preço do Talento (Dir. Alma Har'el), The Souvenir (Dir. Joanna Hogg), Waves (Dir. Trey Edward Shults), Uma Vida Oculta (Dir. Terrence Malick), Queen & Slim (Dir. Melina Matsoukas), O Preço da Verdade (Dir. Todd Haynes), Os Miseráveis (Dir. Ladj Ly) e A Vida Invisível (Dir. Karim Aïnouz). Você não irá concordar cem por cento com os filmes escolhidos e tudo bem pois o gosto pessoal é uma prisão que todos nós participamos mas com a lista espero conseguir recomendar alguns filmes que passaram despercebido durante o último ano e ocupe um pouco melhor o seu tempo nesse período de quarentena.



Menções honrosas em ordem de preferência.

30. Predadores Assassinos (Dir. Alexandre Aja)
29. A Despedida (Dir. Lulu Wang)
28. Coringa (Dir. Todd Phillips)
27. John Wick 3: Parabellum (Dir. Chad Stahelski)
26. Um Lindo Dia na Vizinhança (Dir. Marielle Heller)
25. The Death of Dick Long (Dir. Daniel Scheinert)
24. A Arte da Autodefesa (Dir. Riley Stearns)
23. The Peanut Butter Falcon (Dir. Tyler Nilson e Michael Schwartz)
22. Doutor Sono (Dir. Mike Flanagan).
21. Her Smell (Dir. Alex Ross Perry)
20. Bons Meninos (Dir. Gene Stupnitsky)
19. Rolling Thunder Revue: A Bob Dylan Story by Martin Scorsese (Dir. Martin Scorsese)
18. Vingadores: Ultimato (Dir. Anthony Russo e Joe Russo)
17. Dor e Glória (Dir. Pedro Almodóvar)
16. Midsommar: O Mal Não Espera a Noite (Dir. Ari Aster)
15. Medena zemja (Dir. Tamara Kotevska e Ljubomir Stefanov)
14. Bacurau (Dir. Juliano Dornelles e Kleber Mendonça Filho)
13. O Farol (Dir. Robert Eggers)
12. 1917 (Dir. Sam Mendes)
11. Ying (Dir. Yimou Zhang)

Sem mais delongas... vamos ao top 10

10. The Last Black Man in San Francisco (Dir. Joe Talbot)


Criminoso o quanto este filme passou batido durante o último ano, a estréia impressionante de Joe Talbot na direção merecia maior reconhecimento por parte do público. Joe possui um controle de cena invejável mesmo a diretores já experientes, ao reduzir o aspecto de imagem levemente para 1.66:1 e escolher uma coloração nevoada conseguiu transmitir uma sensação de quase sonho em tela, uma desconexão visual necessária para a história emotiva de gentrificação que o filme perfeitamente conta, sensação tangível da cidade que não pertencente mais ao protagonista, uma São Francisco fora de alcance porém melhor conhecida por ele do que por seus novos "donos". A história segue Jimmie Fails, um jovem negro que volta toda semana para realizar pequenas reformas na casa que seu avô construiu e em que viveu sua infância mas hoje é ocupada por um casal branco. Um filme necessário, atual, extremamente emotivo e com grandes performances espalhadas por todo o elenco todo que com exceção de Danny Glover é completamente desconhecido.

9. Lutando Pela Família (Dir. Stephen Merchant)


O comediante Stephen Merchant atualmente é mais conhecido por junto com Ricky Gervais ser o criador de The Office ou por ser aquele cara grandão e esquisito que faz pontinhas de um minuto por filme, mas deste projeto em diante deveria ser lembrado por ser um excelente roteirista e diretor. O filme segue a história real da "lutadora" da WWE Paige, mas escolhendo uma funcional abordagem mais leve e omitido propositalmente alguns elementos trágicos que aconteceram recentemente com a atleta. Merchant mostra precisão para balancear todos elementos que escolheu colocar em sua narrativa que mescla drama, comédia, biografia e ação. A comédia porém é onde o filme brilha com mais intensidade pois não apenas é executada perfeitamente pelos atores mas também é espaçada durante o filme em todos os momentos certos, o drama familiar é bem trabalhado e suas personagens são tão bem construídas que mesmo os momentos mais bregas da história encaixam perfeitamente. O elenco conta com seus conhecidos atores no seu melhor, Lena Headey e Nick Frost estão engraçadíssimos e Dwayne Johnson tem uma participação (mesmo que pequena) hilária. O show porém fica com aquela que será o próximo grande nome de Hollywood, Florence Pugh encarna a protagonista com perfeição em uma personagem complicada que exige alcance dramático, tempo cômico e fisicalidade.

8. The Beach Bum (Dir. Harmony Korine)


Harmony Korine é um gênio visual e profundo conhecedor da sociedade atual, ou um cineasta incoerente e pretensioso, depende pra quem é feita a pergunta. O divisivo diretor sempre deu foco maior na experiência do que na história de seus filmes, geralmente falhando em transmitir tal experiência ao telespectador. Em The Beach Bum porém, acerta em quase tudo que tenta e para uma história tão simples com apenas uma mensagem é impressionante o quanto o filme quase não tem um momento desperdiçado. O filme até segue uma estrutura de três atos mas não é recomendável para quem prefere narrativas convencionais pois não tem "muita história". Constantemente engraçado apenas seguindo Moondog, um poeta andarilho e milionário que vive todos os dias bebendo, se drogando e curtindo a praia durante um bloqueio criativo, é o papel que McConaughey nasceu para atuar, o ator some dentro do personagem e se tratando de alguém tão caricato é algo notável, a melhor atuação masculina do ano. Os personagens secundários também não vão sair da sua memória tão cedo, atores como Jonah Hill, Zac Efron e Martin Lawrence entregam cenas sensacionais nas pequenas participações no filme e Isla Fisher e Snoop Dogg estão também incríveis nos seus papeis um pouco (mas não tanto) maiores. A primeira completa aventura de Korine na comédia stoner é quase perfeita, um ode ao hedonismo e parada obrigatória para os fãs de O Grande Lebowski (1998) e Vício Inerente (2014).

7.Joias Brutas (Dir. Benny Safdie, Josh Safdie)


Desde Apocalypto (2006) de Mel Gibson ou Embriagado de Amor (2002) de Paul Thomas Anderson (coincidentemente também estrelando Adam Sandler) o cinema não era agraciado com um ataque cardíaco disfarçado de filme como este. Os irmãos Safdie criam um universo sujo e vívido onde nada parece filmado e tudo é real, auxiliados na imersão por famosos como Kevin Garnett e The Weekend e alguns não famosos vivendo eles mesmo, tudo se torna natural e tangível. A conexão do espectador com as personagens é completa, a empatia se torna enorme mesmo com personagens carregados de defeitos como Howard Ratner brilhantemente interpretado por Adam Sandler na melhor atuação de sua carreira ou na impressionante estréia da atriz Julia Fox como Julia De Fiore. A habilidade dos irmãos Safdie em dar vida a objetos inanimados é impressionante como já haviam mostrado na garrafa de Sprite em Bom Comportamento (2017) e aqui continuam a tendência com a Jóia que da nome ao filme. Jóias Brutas é uma experiência caótica desde a primeira aparição em tela de Adam Sandler e se mantém assim até os créditos finais, tente não pausar em nenhum momento e terá uma das melhores experiências com filme que o último ano proporcionou.

6.  Entre Facas e Segredos (Dir. Rian Johnson)


Rian Johnson tinha uma tarefa difícil em seguir o extremamente divisivo Star Wars: Os Últimos Jedi (2017), o mundo do cinema estava curioso com seu novo projeto e Entre Facas e Segredos foi a escolha perfeita para lançar em sequência ao seu filme mais polêmico. Agradável para todos os públicos, um filme para as massas que também se tornou queridinho da crítica, aclamação tão universalmente encontrada por Johnson apenas em Ozymandias, episódio da série Breaking Bad (2008 - 2013). A história aparenta ter saído diretamente das páginas de Agatha Christie em um clássico "quem é o assassino?". Intrigante e inteligente mistério policial, com tantos arcos construídos que mesmo desvendando alguns ainda sobra muito para o surpreender e sempre está dois passos a frente do espectador. Mesmo rasgando elogios aos mistérios do roteiro, a comédia ainda é o maior trunfo do filme, as vezes sútil como a câmera mostrando uma xícara ou uma conversa no fundo da sala sobre o curso de faculdade que alguém está prestando, as vezes grotesco como uma personagem vomitando na cara de outra, o filme se mantém constantemente engraçado. Extremamente bem atuado por todos no enorme elenco, sem exceção nenhuma mas com um destaque especial para Daniel Craig, Ana de Armas e Toni Collete. Confira a crítica completa clicando aqui.

5. O Irlandês (Dir. Martin Scorsese)


Martin Scorsese é o maior diretor vivo, é um fato sem espaço pra discussão. Dos grandes nomes da excelente classe americana dos anos setenta como Brian De Palma, George Lucas, Steven Spielberg e Francis Ford Coppola, ele é com certeza o único que manteve a energia durante toda sua carreira, não que os outros diretores esporadicamente não tenham alguns bons projetos, mas a década que Scorsese acabou de ter é de uma qualidade quase inacreditável, a energia de seus filmes com quase oitenta anos é algo nunca visto em toda a história do cinema. O diretor já conta com alguns outros projetos anunciados e O Irlandês (ainda bem que) não será seu último filme, mas caso decidisse se aposentar agora seria um encerramento perfeito para sua carreira, um olhar mais melancólico e contemplativo sobre o final da vida dentro do gênero que o consagrou. Mesmo você não gostando dos filmes do diretor ou se assustando com as quase quatro horas de duração, um filme que reúne Al Pacino, Robert De Niro, Harvey Keitel, Ray Romano, Jesse Plemons, Anna Paquin e que tirou Joe Pesci da aposentadoria não pode ser perdido. Confira a crítica completa clicando aqui.

4. No Coração do Ouro - O Escândalo da Seleção Americana de Ginástica (Dir. Erin Lee Carr)


A maior esnobada de toda a temporada de premiações nesse ano sendo ignorado por todas as academias e associações. O documentário conta a história do "doutor" da seleção americana de ginástica que repetidamente e por anos abusou sexualmente das atletas que chegavam até ele em uma idade nova e não tinham noção do que era um tratamento normal e o que era abuso. Histórias pesadas como esta não é novidade em documentários mas em muitos projetos falta tato ou sobra sensacionalismo por parte do cineasta. Erin Lee Carr montou seu filme magistralmente, uma sensibilidade ímpar para tratar do tão delicado assunto e que nos aspectos técnicos é perfeito, construindo um ritmo opressor que nunca faz leveza do caso mas que sabe esconder o "soco no estômago" do espectador para o momento certo. Um filme que se torna difícil de recomendar pois o material é difícil de se digerir mas é o melhor documentário de um ano recheado de bons documentários.

3. Adoráveis Mulheres (Dir. Greta Gerwig)


O filme segue a vida das mulheres da família March, e mesmo situado no período da guerra civil americana escolhe focar apenas em briguinhas de irmã e romances adolescentes. A magistral cineasta Greta Gerwig mesmo estando apenas em seu terceiro projeto como diretora impressiona por quão bem executado seu filme é em todos os seus setores: A montagem dinâmica e não linear que acrescenta grande peso a cenas que outrora seriam triviais, a trilha sonora doce e enérgica que nunca toma a frente do filme mas sempre embala precisamente as cenas que acompanha, os cenários quase vivos de onde moram as March e principalmente as atuações. Greta conseguiu um elenco recheado para o filme e fez excelente uso dele, grandes atuações de Saoirse Ronan, Timothée Chalamet, Laura Dern, Bob Odenkirk e Meryl Streep, mas o destaque novamente é de Florence Pugh que comanda toda a cena que participa. As escolhas tomadas por Greta Gerwig em algumas cenas como a forma diferente que foi filmado os três pedidos de casamento presentes no filme, refletindo no que está acontecendo em cena elevam esse filme a perfeição, uma história tantas vezes contada encontra sua versão definitiva.

2. Parasita (Dir. Bong joon-ho)


Bong joon-ho durante sua carreira nunca escolheu a sutileza para fazer comentários sociopolíticos em seus filmes, o que nunca foi um problema. Em O Hospedeiro (2006) comentou sobre poluição global e a interferência norte-americana na Coréia do Sul (seu país) e no devastador Okja (2017) criou o maior argumento pró-vegano da história do cinema. Bong já havia antes comentado sobre divisão de classes no excelente O Expresso do Amanhã (2013) mas em Parasita escolheu focar mais no funcionamento do capitalismo em si do que na separação das classes (apesar de ser assunto forte dentro da história). Parasita contém essas importantes e bem trabalhadas mensagens, mas elas são desnecessária para o funcionamento da narrativa, o filme seria excelente mesmo sem a "moral da história" com o excepcional roteiro te jogando uma grande surpresa no mínimo a cada meia hora, e todas funcionam perfeitamente. A edição do filme também é fantástica, a cena onde é intercalado o planejamento e execução do plano que culmina com o lenço ensanguentado é uma aula de como se fazer cinema. Rara escolha certeira do Oscar para a estatueta de melhor filme.

1. Retrato de uma jovem em chamas (Dir. Céline Sciamma)


Um raro caso de filme perfeito onde não há uma cena fora do lugar, olhar profundo dentro de um romance fadado ao fracasso desde o primeiro dia, em que uma jovem prometida a um casamento na realeza e outra que tem que pintar seu retrato para selar tal casamento se apaixonam. O filme trabalha a arte como sua força motora, seja com os quadros de Marianne ou a música de Vivaldi, tudo correndo com uma fluidez incrível. Retrato de uma jovem em chamas é o filme que encabeçaria diversas listas de "melhor do ano" como filme melhor dirigido, melhor escrito, mais emotivo, melhor atuado... Céline Sciamma tem o telespectador na palma da mão durante toda a duração de seu filme, com o ritmo moroso da primeira metade seguido de um romance que floresce em velocidade astronômica na segunda conseguindo gerar um nível de adrenalina que poucos filmes de ação conseguem, chegando em alguns momentos a tirar o ar do pulmão do espectador, o melhor filme de 2019.

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