Uma das séries mais esperadas do ano, The Witcher chegou na Netflix fazendo um barulho enorme em toda a internet desde seu lançamento dia 20/12. Criada por Lauren Schmidt, que vem sendo um nome grande na empresa de streaming nos últimos anos tendo escrito e produzido séries como Demolidor (2015 - 2018), Os Defensores (2017) e The Umbrella Academy (2019 – Atualmente), a série é baseada nos livros de Andrzej Sapkowski mas a propriedade “The Witcher” ganhou popularidade após ser transformada em Jogos pela desenvolvedora CD Projekt RED. Você provavelmente já escutou em algum canto da internet que "...The Witcher 3 é o melhor jogo de todos os tempos!!", ou algo do tipo. Junte isto a um dos atores mais famosos da atualidade, Henry Cavill, vivendo o protagonista "Geralt de Rivia" com a última temporada anticlimática de Game of Thrones (2011 - 2019) e a ansiedade e antecipação dos fãs de fantasia estava no céu.


A comparação com Game of Thrones é ao mesmo tempo injusta e inevitável. Injusta pois mesmo que desde o começo tendo lampejos como dragões ou partos fantasmas, os elementos fantásticos em Game of Thrones demoraram cinco temporadas para entrar em pleno vigor e tomar conta da história, onde já havia um universo bem construído e personagens analisados a exaustão, o que não é o caso em The Witcher. Inevitável pois é o que foi pedido para o setor de direção de arte. Os cenários em sua esmagadora maioria remetem a Game of Thrones, desde a iluminação dos castelos até as árvores curvadas nas estradas, sendo o sentimento não apenas de “já vi isso antes” mas sim de “eu sei aonde eu vi isso antes”. Isso por si mesmo não algo ruim, mas lembrar o espectador de algo tão grandioso que a série ainda está longe de alcançar é perigoso.

O sentimento de "já vi isso antes" porém permeia toda a série e não somente em comparação à Game of Thrones. Desde o herói nômade até a famosa reversão de "os verdadeiros monstros são os humanos", passando por elementos medievais comuns e necessários como os bailes reais e as tavernas, esses elementos em sua maioria são operantes e dão uma sensação de conforto a série ao amenizar as estranhezas do universo, mas também deixam o espectador perguntando: só isso?


O desenvolvimento de mundo é um dos pontos fortes da série e a narrativa no formato quase de monstro da semana facilita isto. Após Geralt caçar um monstro e se sentar em uma Taverna ou ser convidado para um baile real, ou mesmo ao tentar salvar seu amigo Jaskier o levando a Yennefer, essas interações são o nosso passaporte para dentro daquele universo, e a forma de entender o poder das feiticeiras ou o conflito entre os reinos. Dentro dessas peregrinações nos deparamos com histórias intrigantes e de potencial incrível como o genocídio dos elfos, a situação das raças inteligentes que vivem a beira da sociedade e até as seções mais entediantes do universo como o conselho dos magos ou a constante permanência na realeza são no mínimo interessantes e te deixam querendo ver mais.

Os elogios feitos ao desenvolvimento de mundo não pode ser feito ao desenvolvimento dos personagens. Em oito horas de conteúdo o espectador chega ao final da temporada sem conhecer nem o seu herói Geralt de Rivia (não fica nem claro quais são os poderes de um 'Witcher'), nem seu vilão, o reino de Nilfgaard. Pouca informação para seus protagonistas as vezes são eficientes em filmes, mas o ponto da serialização da mídia é justamente explorar e desenvolver os pontos da história, o que The Witcher teve mais do que tempo o suficiente para fazer e não o fez. Geralt não só é mal desenvolvido, mas também é razoavelmente atuado por Henry Cavill, que apesar de se destacar no humor seco da personagem, deixa a desejar nos outros aspectos do mesmo ou por medo ou por respeito ao material de origem, nunca conseguindo se entregar completamente aos maneirismos apáticos de Geralt e acaba mostrando suas limitações como ator. A redenção na construção de seu personagem se encontra na amizade com Jaskier, muito bem interpretado por Joey Batey. Jaskier é legitimamente engraçado mesmo que com um humor comum, e é na amizade dos dois onde você encontra a maior conexão emocional com a história. Renfri também é muito bem desenvolvida e uma pena que a série tenha acertado mais o tom de que em qualquer outro lugar na personagem que só ficaria apenas um episódio.


Ainda nos campos de desenvolvimento e atuações, Yennefer é uma bagunça completa, mesmo Anya Chalotra sendo uma atriz operante que consegue vender sua personagem (com exceção de momentos onde tem que mostrar grande poder, como ao medir forças com Geralt pelo controle do Djinn ou na batalha do último episódio). Se a personagem é razoavelmente bem atuada, é desastrosamente desenvolvida. Se não bastasse o que vem do roteiro, como para se tornar poderosa e ficar bonita ter que abrir mão do seu útero, a série visualmente vilaniza sua sexualidade a todo momento, mostrando geralmente ela vestida quando sua personagem está em um período íntegro de sua vida, mas quando está cometendo as atrocidades que vimos durante a temporada, Yen é um ser extremamente sexual e quase sempre nua, nudez essa que com algumas exceções como a cena da banheira ou de sua transformação é completamente gratuita e desconfortável quando tenta ser sensual.

A representação visual da magia presente no universo é bem trabalhada, desde coisas menores como um olho mudando de cor até coisas mais grandiosas como abrir portais enquanto corre ou extrair força vital das pessoas para criar bolas de fogo e as jogar com catapultas. A magia também é bem representada na reação da população a ela, seja não existindo uma religião popular, mostrando o descaso geral da população em relação a divindades ou como as pessoas tratam aqueles que possuem algum dom fantástico. Outro ponto visual interessante da série é como a coloração da imagem vai seguindo o tom geral do local onde os personagens estão. Já no primeiro episodio na cidade de Blaviken as ruas são quase em preto e branco, sem vida, mas ao chegar ao jardim de Stregobor as cores se saturam ao máximo, efeito também facilmente notado na divisão da floresta Brokilon com o mundo exterior.


Nos aspectos técnicos a fotografia do começo buscava um visual mais de videogame com várias cenas remetendo a cinemáticas que, ainda bem, foi logo abandonado pois tiraria a fluidez narrativa da série por completo. Em uma questão de movimento de câmera é geralmente operante e apesar de não variar muito em como mostrar diálogos não tem culpa nenhuma na (as vezes nítida) falta de ritmo que alguns episódios sofrem, sendo esse papel da edição que foi um pouco desleixada. A fotografia tem seu grande momento nas cenas de luta, principalmente as de combate físico envolvendo espadas, aliada ao maravilhoso trabalho de dublês e de coreografia, feito pela dupla Wolfgang Stegemann (Coordenador de dublês) e Vladimir 'Furdo' Furdik (Mestre de lutas/espadas). Uma pena que a batalha entre Nilfgaard e metade do conselho dos magos nas colinas de Sodden no último episódio abandonou essa visceralidade e escolheu por planos abertíssimos de bolas de fogo voando que, ainda que visualmente interessante, não tem o mesmo impacto. Mesmo nos momentos mais intimistas da guerra não foi aplicado as coreografias com espadas que foram tão bem espalhadas pela temporada (com exceção da cena com Vilgefortz).

A trilha sonora é variante entre esquecível e incrível, geralmente ela fica quietinha em segundo plano em um tom mais genérico de fantasia com instrumentos de corda segurando notas longas e de alcance curto, mas quando explode em intensidade usando instrumentos medievais é maravilhosa, te deixa boquiaberto e querendo mais daquilo. Um grande exemplo é na cena onde Ciri está fugindo a cavalo no primeiro episódio. Toda a parte diegética da trilha é maravilhosa, executada quase inteiramente pelo bardo Jaskier, introduzindo humor necessário para a série e contando com melodias agradáveis.

O CGI é em grande parte aceitável para uma produção de televisão (ou no caso streaming). Ele é perceptível quase sempre, mas nada que atrapalhe muito sua imersão na série quando se trata de grandes composições, como uma cidade toda, um palácio, ou um campo de batalha. Já em pequenas partes como no caso do dragão e sua caverna (uma tela verde medonha) do sexto episódio ele é difícil de engolir. Em casos de personagens como o ouriço Duny que casa com Pavetta, ou Torque, o silvano, que seriam facilmente construídos com maquiagem (talvez até mais barato) é imperdoável o CGI ruim. A parte prática dos efeitos é toda bem construída, a maquiagem nas guerras e combates com corpos sendo cortados e sangue jorrando é basicamente perfeita e a série deveria ter se apoiado mais nisso.


Nenhum dos quatro diretores empregam características realmente autorais a série, o que acaba funcionando em manter uma consistência visual e única à série, mas a falta de riscos tomada na direção acaba delegando o ritmo e sentimento geral da série aos editores e roteiristas, que acabam tomando algumas decisões discutíveis durante a temporada. A edição escolhe por sempre um ritmo moroso e contemplativo que para os episódios que terminam explosivos com grandes lutas funcionam muito bem, mas para os episódios que apenas estão lá para expandir o mundo (ainda que sejam os mais interessantes) ou para terminar em um gancho para te chamar para o próximo episódio acaba funcionando bem menos, deixando os episódios lentos, e com uma duração que geralmente passa de sessenta minutos é um problema notável.

O roteiro é bem desnivelado. Nos quesitos ainda não citados do mesmo, a não linearidade é o maior erro da narrativa dessa temporada, sendo bem empregada com sutileza nos primeiros episódios e quando fica realmente evidente, no quarto episódio, dá um sopro de vida a série que era necessário naquele momento onde tudo estava lento e perdendo o interesse, mas também causando a falta de conexão do espectador aos personagens. Toda a história de Cintra, incluso a morte de Calanthe, não tem peso nenhum. Ganhar um momento de surpresa que é Geralt estar lá em Cintra durante o cerco (algo que poderia ser facilmente conseguido utilizando o efeito Rashomon, se livrando assim dos flashbacks ridículos) e alguns momentos de comédia por ter mais informação do que as personagens (Como o discurso de Calanthe frente aos líderes de Nilfgaard) não valem o que a narrativa perde ao escolher abandonar a linearidade, como a surpresa do poder de Nilfgaard crescendo e a conexão com os personagens de Cintra que causariam mais impacto e emoção do que qualquer escolha feita para o finale da temporada.


A exposição em geral é muito mal trabalhada, mas entendo sua necessidade em questão de expansão de universo. É difícil apresentar tantas criaturas e reinos de maneira natural, porém as conversas no meio das batalhas (tanto no primeiro, mas principalmente no último episódio) são patéticas, tirando a imersão do espectador a todo momento. Na construção de seus romances fica sempre no meio termo entre a modernização e o ar de conto de fadas dos livros, o que quase em nenhum momento funciona. O lugar de brilho do roteiro acontece quando abraça a natureza brega de seu material de origem, seja no humor cotidiano presente no baile que termina com Pavetta e Duny declarando o amor deles e apresentando a maravilhosa ideia da "lei da surpresa", na roda em volta da fogueira com os anões na caça ao dragão ou mesmo nas músicas de Jaskier, elemento que infelizmente é raro no decorrer da temporada.

Ao acabar as oito horas da série, mesmo com os furos de roteiro, coincidências narrativas e escolhas erradas em focar no que não funciona, o universo é cativante o suficiente para te deixar com um gosto de quero mais. A dualidade de seus personagens mesmo que ainda não bem trabalhada abre um leque enorme para as possibilidades do que fazer com os mesmos e as histórias abertas na primeira temporada tem um potencial enorme. Espero que daqui pra frente a série nos mostre mais a história do que realmente aconteceu aos elfos, explore a conexão entre Ciri e Geralt e abrace sem medo os elementos bregas de seus romances e das picuinhas da realeza. Uma série que se não entregou tudo que foi prometido, é extremamente promissora, vamos ver o que o futuro reserva para The Witcher.




Nota 5/10

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