Seja de forma diegética com Nina Simone no rádio, ou na trilha composta por Marco Beltrami e Buck Sanders o jazz embala quase todo momento fora da pista em Ford vs Ferrari , e como jazz o filme também tenta funcionar, deixando todo mundo ter seu momento de brilhar e apostando na proeza técnica de sua "banda", a quantidade de talento envolvida nesse projeto é invejável e rara, porém James Mangold (ou o estúdio) esqueceu que o que fez o ritmo ser atemporal não foi apenas a qualidade dos envolvidos e sim os riscos tomados no som e o mais importante: coração e alma.



O filme vai intercalando entre cenas de corrida que beiram (ou alcançam) a perfeição, e cenas sem inspiração nenhuma na tentativa de construir seus personagens. Mesmo com a cinematografia, o design de som e as atuações todos em completa sintonia, o roteiro genérico não deixa a história caminhar, seguindo a cartilha de biografia. Não há aspectos de estudo a se reclamar, com diálogo expositivo quase inexistente, não tem contradições de personagem, mas é completamente sem vida, o que não seria um problema se o filme escolhesse focar na parte mecânica da história e nos avanços tecnológicos que essa guerra automobilística causou. Porém ao escolher o lado humano da história faltou humanidade

O maior erro do roteiro foi vilanizar exageradamente o personagem interpretado por Josh Lucas para ter um "saco de pancada" no filme, alguém para atrair nosso ódio, mas seria melhor para o filme se essa função fosse dividida com Henry Ford II, o que o filme até tenta mostrar ao apresentá-lo com alguém mesquinho, porém de forma sutil demais, e contrapondo com momentos em que o coloca sob uma luz heroica como "o homem que venceu a guerra" (mesmo que dito por ele mesmo) e o pintando como um azarão ou alguém que precisa enfrentar as adversidades, mesmo falando aqui da maior empresa automobilística do mundo (pelo menos na época). Mesmo tentando diminuir o impacto disso com alguns comentários mal assados sobre capitalismo, o esqueleto da história é patriota e força a ideia de Estados Unidos vs Europa a todo momento.


Sobre as atuações, Christian Bale está excelente como sempre, Tracy Letts e Remo Girone convencem como os caricatos donos das empresas automobilísticas, Jon Bernthal rouba toda cena em que aparece (como já vinha fazendo durante a última década nos seus tradicionais 10 minutos por filme, a quantidade de grandes projetos que o mesmo enfileira é impressionante). Noah Jupe e Caitriona Balfe estão completamente funcionais nos papéis de esposa e filho genéricos de biografia, trabalhando bem com o pouco que recebem. Daria para trocar a esposa daqui pela outra esposa dirigida por Mangold em Johnny e June (2005) e não se notaria diferença alguma, mas lá rendeu um Oscar para Reese Witherspoon então não vou questionar seus métodos. Mesmo com tantos nomes de peso no elenco o show aqui é de Matt Damon que incorpora Carrol Shelby com perfeição mesmo não tendo nenhuma semelhança física com o mesmo, sendo o ator perfeito para esse sentimento sulista de entrega a seu trabalho e amor as pistas. Uma indicação garantida para melhor ator.




Cinema é uma mídia de diretor e parte de sua função é escolher e comandar a equipe.  Nisso James Mangold acertou em cheio, o design de som é fenomenal dentro e fora das pistas, a cinematografia é hipnotizante, a edição é precisa e o trabalho de dublês e efeitos práticos talvez sejam os melhores feitos em todo o ano de 2019, contendo apenas duas cenas em que o CGI é perceptível (não é nem ruim, apenas notável). Ao longo de suas duas horas e trinta e dois minutos o filme passa rápido mesmo com a já comentada falta de conexão com os personagens. Uma pena que boa parte da emoção fique reclusa as pistas. Talvez se arriscando mais no roteiro ou deixando o foco inteiramente na adrenalina de Le Mans nos anos 60 poderíamos ter aqui um clássico atemporal, mas o que temos no final é um bom filme que é parada obrigatória para fãs de automobilismo e cinema de ação.




Nota 7/10

0 Comentários