"O Poço" é o mais recente herdeiro de uma longa linhagem de filmes ultra específicos, que trabalham em apenas uma locação cheia de armadilhas com facilitações para estudo social e eventualmente os humanos lá presos entram em conflito. Filmes como Cubo (1997), Circle (2015) e o mais famoso entre eles, Jogos Mortais (2004). Infelizmente Galder Gaztelu-Urrutia falha em quase tudo que os diretores anteriores acertaram, desrespeitando as "regras" do gênero.

Este tipo de filme geralmente funciona ao trabalhar eficientemente três elementos: Um cenário vivo com regras fáceis de se entender, personagens cativantes e edição precisa proporcionando ao decorrer do filme um ritmo cada vez mais sufocante. Galder não abraça o filme que está realmente fazendo mas também não se entrega por completo ao revisionismo que parece estar tentando, assim em nenhum momento entrega ao público o escapismo moral necessário para esse tipo de narrativa nem distanciamento suficiente do comum para conseguir uma efetiva quebra de expectativa.


O roteiro é desastroso, a todo momento traz a memória o menino em Parasita (2019) dizendo "isso é tão metafórico". É importante dizer que sutileza não é necessária nem mesmo recomendável para um filme como "O Poço", mas o mesmo abusa de sua franqueza ao ponto de se tornar uma palestra ao invés de um filme, não há valor de entretenimento escondido em nenhum lugar, apenas existe a mensagem. Diálogos quase não existem fora da função de exposição, personagens estão presentes apenas para explicar o filme ao protagonista e consequentemente ao público. David Desola e Pedro Rivero cometem o maior pecado que roteiristas podem cometer, sempre contar invés de mostrar o que está acontecendo e pior, as vezes contar logo após mostrar, subestimando a inteligência de seu público e o privando de uma experiência melhor ao mastigar cena óbvia após cena óbvia, esticando assim a curta duração de noventa e cinco minutos.


Uma alternativa simples aos medonhos diálogos seria um texto explicando tudo que está acontecendo logo nos créditos iniciais, assim já situando o espectador dentro do universo e conseguindo mais espaço para o bom cenário respirar, causando maior conexão aos personagens que teriam alguma outra função narrativa e acelerando o ritmo da história ao não precisar explicar o que já foi visto. Não seria sútil, mas alguma coisa no filme é?

O filme possui algumas poucas qualidades como o uso de CGI em moderação e perfeitamente espalhado apenas para realçar o que não foi possível construir no cenário, andando de mãos dadas com o magnífico trabalho de maquiagem. A violência que finalmente explode no final do filme é muito bem executada de um ponto de vista técnico com planos abertos e poucos cortes, uma pena que não existe mais conexão entre o espectador e o protagonista. Pode-se também elogiar as atuações de todo o seu elenco, mesmo em função de personagens odiáveis, se o filme não fosse bem atuado teria lugar garantido na lista de piores do ano.


Apenas falando de distribuição, Galder Gaztelu-Urrutia conseguiu a estréia que pediu a Deus (ou ao nível 0) com a Netflix catapultando seu filme a um nível de popularidade que nenhuma tela de cinema conseguiria. O diretor mostrou um controle visual interessante e a preferência por efeitos práticos a CGI é sempre bem-vinda no cinema atual, se trocar seu time de roteiristas e tratar seu público com um pouco mais de respeito é um cineasta pra ficar de olho em seus próximos projetos, mas que em sua estréia falhou espetacularmente.






Nota: 2/10


Recomendação:

Se você gostou da mensagem e estilo da história é recomendável assistir Expresso do Amanhã (2013) do visionário diretor Bong Joon-ho, onde a função das celas neste filme é transferida para vagões de trem e a mesma mensagem aqui presente é passada eficientemente por lá e mais importante,  é extremamente divertido e bem ritmado. O filme também não é sutil em sua mensagem, mas os seus diálogos fazem a história se movimentar ao invés de apenas explicá-la e as cenas de ação também contam a história, entretenimento de primeira qualidade.


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