O mais recente grande lançamento da Netflix vem de Sam Hargrave, um coordenador de dublês estreante na direção que apesar de sua experiência com cenas de ação leva apenas alguns minutos para deixar claro que se trata de um cineasta debutante em narrativa. Alguns anos atrás seria inimaginável um coordenador de dublês assumindo um filme como diretor, mas o caminho foi aberto com o excelente John Wick: De Volta ao Jogo (2014) dirigido por David Leitch e Chad Stahelski que com seus filmes sequentes se juntaram a Christopher McQuarrie como os cineastas mais interessantes do atual cinema de ação americano.


A história segue Tyler Rake o militar branco e musculoso com passado trágico, uma figura quase mitológica do cinema americano indo de encontro a traficantes étnicos e malvados, o arquétipo que Duro de Matar havia começado a aposentar em 1988 e que assim deveria ter permanecido. Os nomes de Anthony Russo e Joe Russo estarem conectados a produção logo após o titânico sucesso de Vingadores: Ultimato (2019) talvez seja a razão de ser concedido tanto dinheiro (aproximadamente US$ 65 milhões) a este tipo de história em 2020.

O filme abre em uma de suas últimas cenas para então voltarmos dois dias na história, um tipo de recurso que só funciona para jogar na cabeça do espectador a dúvida de como a calmaria do começo do filme chegará na tempestade daquela cena mas "Resgate" já é um caos desenfreado desde os seus primeiros minutos, assim não apenas solapando o efeito desejado como também tornando algumas traições e reviravoltas ao decorrer da história mais óbvias do que o roteiro genérico já as tornava.


Não há drama realmente explorado ou aprofundado ao decorrer do filme, apenas elementos dramáticos que são instaurados e mal executados como mostrar crianças sendo jogadas de algum prédio alto pelo traficante malvado mas não as dando característica ou personalidade nenhuma, assim diminuindo o heroísmo do protagonista que eventualmente tem que bater nelas mas não causando um peso real ao vê-las apanhando, não mais que qualquer criança apanhando naturalmente traria. Existe uma tentativa grotesca de costurar um diálogo sobre a hipocrisia de Tyler no meio da trama, mas funciona mais como um band-aid narrativo do que construção de personagem, a principal mensagem do filme ainda é a redenção de um assassino que teve dois dias de boas ações.

Sam Hargrave tinha algumas alternativas relativamente fáceis de se trabalhar que melhorariam significativamente sua história como cortar boa parte desse drama que não funciona, resultando em uma hora e vinte minutos de pura adrenalina caótica com cargas de humor negro, ou tentar uma abordagem ainda mais dramática dando importância a seus personagens secundários que estão apenas jogados na narrativa, resultando em um drama familiar com algumas cenas de ação arrebatadoras.


De um ponto de vista puramente estético as cenas de ação variam entre competentes e perfeitas, o espectador é desorientado apenas pelo caos da situação pois tudo que acontece em tela é nítido aos olhos, por um olhar narrativo porém a falta de conexão com o protagonista é gritante, em determinadas ocasiões com as cenas esticadas ao ponto de cansar quem assiste sem nunca avançar a história através da ação, apenas a tendo em detrimento da mesma. A melhor dentre as várias cenas de ação vem relativamente no começo do filme, um plano-sequência de 12 minutos com alguns cortes escondidos, mas bem feitos que tem enorme inspiração na série de jogos Call Of Duty (2003 - Presente) e na perseguição nas ruas de Jakarta em Operação Invasão 2 (2014) com a câmera entrando e saindo do carro em determinados momentos.

Dos atores que surgiram com a Marvel nesta última década Chris Hemsworth é com certeza o melhor deles que sempre utilizou bem sua presença física imponente e seu afiado tempo cômico, o mais perto de um Arnold Schwarzenegger que o cinema atual possui. Com exceção da entrega extrema as cenas de ação Chris não é usado em seu melhor, o pouco de comédia que se tira do ator são em algumas cenas de humor físico durante como o mesmo batendo em um grupo de crianças, ou usando um corpo para chutar o outro

Ao elenco coadjuvante não sobra muito o que fazer pois não há um real desenvolvimento ou arco para nenhum deles, Rudhraksh Jaiswal é um talento infantil a se ficar de olho, David Harbour tem uma pequena e divertida participação e Randeep Hooda entrega o pedido pelo roteiro que é excelência em fisicalidade, total entrega as cenas de ação e nada além. No pior do elenco temos Golshifteh Farahani que não tem com o que trabalhar além de parecer uma mulher séria e Priyanshu Painyuli que está péssimo como o vilão principal da história, é limitado a ser o que foi Cersei na oitava temporada de Game Of Thrones (2019) apenas ficando em seu "castelo" com um binóculos no lugar da taça de vinho mas sem seis boas temporadas construindo seu personagem e o carisma nato de Lena Headey como apoio.


Ao subir os longos créditos a certeza que fica é que "Resgate" é um filme mais voltado a quem se preocupa com técnica do que com coração, contando com uma geografia de cena fenomenal, sendo quase inteiramente feito com efeitos práticos e dublês filmados em plano aberto mas também passa longe do ápice do gênero. Boa parte do público virá por Chris Hemsworth e a ação aqui é bem melhor do que a higienização carregada de CGI que o Universo Marvel oferece e vale a pena ser conferido mas ainda não chega no nível daqueles filmes que tenta copiar





Nota 5,5/10


Recomendações:

Caso você tenha gostado do estilo de "Resgate" mas achou que falta alguma coisa ou mesmo tenha amado o filme e queira ver mais no mesmo estilo fique com três recomendações desta última década: Atômica (2017) dirigido pelo coordenador de dublês David Leitch que tem uma trama divertidíssima situada na Guerra Fria e com Charlize Theron sendo incrível por duas horas, John Wick: De Volta ao Jogo (2014) dirigido também pelos coordenadores de dublês David Leitch e Chad Stahelski, história com tragédia e vingança que foi a grande responsável pela volta de Keanu Reeves aos holofotes e por último Operação Invasão (2011) filme indonésio de Gareth Huw Evans que atingiu o impensável ao dar naturalidade a cenas de ação corpo a corpo que são completamente fora da realidade.


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