Poder Sem Limites (2012) deu a Josh Trank certa notoriedade logo em seu primeiro projeto, o mediano filme de interessante premissa (adolescentes com poderes recém adquiridos filmado inteiramente como "found footage") que acabou afogada por um diretor debutante e o roteiro de Max Landis que não explora todo o potencial presente. Seu projeto sequente originou a história de bastidores mais caótica e interessante desde Apocalypse Now (1979) com o cineasta chegando a publicamente se posicionar contra o estúdio dizendo via twitter: "Um ano atrás eu tinha uma versão fantástica disto. E essa versão receberia ótimas críticas. Vocês provavelmente nunca vão ver. Essa é a realidade".


O estúdio em questão que destruiu o filme e lançou a versão de Quarteto Fantástico (2015) que tivemos o desprazer de assistir foi a 20th Century Fox que também havia distribuído o filme anterior de Trank e que inicialmente parecia ser o claro vilão da história. O artista contratado e sua visão original sempre terá razão no embate contra o estúdio que deforma sua arte para ser mais comercializável porém, ao assistir Capone e ter um relance do que é a visão inalterada de Josh Trank se torna um pouco (mas não tanto) mais compreensível a decisão da Fox ao lidar com um público tão grande quanto o de filmes de herói.

Não há como negar o quanto Capone é um filme ambicioso, provavelmente será um favorito cult nos próximos anos e junto a performance de Tom Hardy no papel titular talvez até passe por alguma revisão futura como aconteceu com O Iluminado (1980) mas o que se reserva tanto para o filme quanto para o ator este ano é a Framboesa de Ouro, a não ser que apareça algum outro desastre nível Quarteto Fantástico (2015). O produto final é uma bagunça e talvez a única forma de entender a intenção do diretor é ao analisar separadamente os três diferentes filmes que Trank tentou fazer com Capone: Uma comédia de humor negro, uma abordagem surreal onde a narrativa acompanha o estado mental do protagonista e uma biografia comum daquelas que vemos todo ano no Oscar.


A comédia apesar de não ser muito boa é o melhor entre os três, Al Capone não merece nenhum respeito e Trank deixa isso claro ao ponto de se tornar cansativo o mostrando em seu mais degradante estado, defecando e urinando na calça ou não percebendo quando seus charutos são trocados por cenouras mas a demência do personagem infelizmente é mais desumanizada que o mesmo. O humor também não funciona inteiramente pois o diretor não deixa, constantemente desinflando o tom ao inserir uns dramas que não encaixam e fazendo Tom Hardy atuar como se estivesse em uma comédia dos padrões de Adam Sandler mas não pedindo para nenhum outro ator o acompanhar.

O surrealismo só funciona na primeira vez que abraça essa desconstrução de ritmo e "viaja" completamente, é uma injeção de ânimo necessária ao filme que estava completamente morno até então mas eventualmente parece não ter função, sem nenhum tipo de emoção evocada além de uma estranheza inicial seguida de tédio. Esse surrealismo costurando uma narrativa convencional que foi muito bem utilizado por Nicolas Winding Refn em seus últimos dois filmes (Só Deus Perdoa (2013) e Demônio de Neon (2016)) aqui falha completamente pois além da falta de sentimento também não há técnica realmente apurada.

O drama comum é o pior entre os três pois além de não funcionar sozinho também age como freio para as outras duas tentativas de ser diferente, tira a graça do humor negro e da performance de Tom Hardy ao paralelamente mostrar o lado triste dessa "comédia" gerando apenas desconforto e não permitindo o filme de abandonar completamente a narrativa convencional. Não existe nem uma sombra de desenvolvimento entre os personagem secundários e no protagonista existe apenas uma murcha tentativa de profundidade, falha em tudo que tenta no quesito e mesmo caso fosse um acerto não seria uma abordagem realmente interessante.


O argumento simples de que as incoerências narrativas fazem parte do "conceito" não é exatamente uma resposta válida para limpar toda a crítica negativa direcionada ao filme pois tudo o que Trank tenta fazer em Capone foi feito de maneira mais eficientemente nos últimos anos. O humor negro executado em um olhar que julga o espectador por admirar aquela figura e o observar dos melancólicos últimos dias de um mafioso foram executados com maestria por Martin Scorsese respectivamente em O Lobo de Wall Street (2013) e O Irlandês (2019). As narrativas confusas que acompanham o estado mental do protagonista são perfeitamente costuradas em O Abrigo (2011) e Melancolia (2011) e as dezenas de biografias sobre personagens polêmicos não precisam ser citadas, o problema foi tentar ser tudo isso em uma hora e quarenta minutos

Para se julgar com exatidão as atuações dos personagens secundários seria necessário desenvolvê-los mas nenhum deles tem culpa no desastre que o filme é, todos estão funcionais na medida do possível. Kyle MacLachlan é engraçado como o doutor Karlock e Linda Cardellini faz o mesmo que fez repetidamente na última década que é ser ótima no papel de "esposa de biografia" , uma pena considerando seu começo de carreira tão promissor. Tom Hardy provavelmente exigiria um texto a parte só para sua atuação que é horrível no contexto do produto final e por ser tão afetada e grandiosa será lembrada como algo a se rir, mas a culpa é maior do diretor do que de Hardy pois o ator achou que estava em outro gênero (uma comédia pastelão) e neste filme ele vai muito bem, a falta de tom de todos ao seu redor que afunda sua performance ao ridículo.


No lugar da tradicional recomendação de filmes semelhantes foi preferível deixar durante o texto alguns melhores exemplos do que foi tentado por Josh Trank para ilustrar que apesar do filme conter uma louvável ambição não foi o suficiente e ficou apenas na intenção. O filme é confuso em sua relação com o protagonista ao mostrar uma pessoa horrível em sofrimento, não pegando na mão do espectador para mostrar aonde ir nem caminhando sozinho em sua ambiguidade rasa e ao bater tanto na tecla que "Phonse" não é um homem digno de respeito nem ao menos o chamando por seu nome comum, como o sofrimento dele seria do interesse de quem assiste? Foi incluso o mito do dinheiro escondido por Al Capone no filme apenas como uma isca para o espectador achar que existe uma história sendo contada ou poder montar uma sinopse para vender o filme. Capone é um filme que consegue ao mesmo tempo não ter um foco claro e ser repetitivo, falha no surreal e no comum mas é tão "fora da caixa" que mesmo sendo péssimo merece ser assistido.





Nota 3/10

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