Ao ser lançada mundialmente pela HBO em 2016 Westworld invadiu a internet como um furacão e foi imediatamente proclamada como a solução ao fim iminente de Game Of Thrones que foi concretizado em 2019 com quase unânime descontentamento. Quaisquer expectativas colocadas por parte do público em sua primeira temporada foi ultrapassada com sobras, Lisa Joy e Jonathan Nolan com seus escritores expandiram a mitologia criada por Michael Crichton no filme homônimo de 1973 levando a história a lugares impensáveis ao analisar o material de origem, transformando um simples e eficiente conto de "revolução das máquinas" em debates filosóficos interessantes sobre livre arbítrio e a essência do que é ser humano. A narrativa constantemente interessante aliada a personagens excepcionalmente bem construídos tirou a mente de seus telespectadores das inúmeras reviravoltas da história que a partir do sétimo episódio "Trompe L'Oeil" vieram em grande número, atingindo o ápice em seu finale "The Bicameral Mind" que deveria constar em qualquer lista de melhores episódios da década.


Decorrente de todo o amor despejado em seu primeiro ano (em forma de audiência, crítica e premiações) veio a confiança do canal em dar maior controle criativo a Nolan e Joy para a segunda temporada, e o fruto desta confiança é uma narrativa desnecessariamente confusa com a história esticada em dez horas e colocada fora de ordem com o único intuito de parecer mais inteligente do que realmente é. Não à toa seus claros destaques são "Kiksuya" e "The Passenger" respectivamente um episódio fora da narrativa principal que conta o passado de Akecheta e da Nação Fantasma, e o finale onde as peças do quebra-cabeça finalmente se encaixam. A segunda temporada não é ruim em quase nenhum aspecto mas a arrogância de seus criadores e a comparação inevitável com o brilhantismo da estréia acabaram a transformando em certa decepção.

Mas imagino que você clicou no texto pela terceira temporada então vamos a ela deixando o aviso de spoilers para a série inteira. Considerando apenas uma questão ampla de qualidade esta nova temporada se encontra em uma confortável distância entre as anteriores, inferior a primeira e superior a segunda pois mesmo tendo uma história relativamente menos rica, sua execução direta a coloca um patamar acima com o maior obstáculo entre a série e a perfeição ainda sendo a insistência de Joy e Nolan em deixar transparecer sua auto-intitulada superioridade em relação ao seu público. A narrativa quase linear reduzida a oito episódios foi um claro acerto, uma trama novamente constantemente interessante e bem ritmada que retorna ao esqueleto da primeira temporada, com foco na construção do mundo até então novo para o telespectador (O Parque/Neo-Los Angeles) e a expansão lateral da história com cada episódio trabalhando um núcleo diferente de personagens, uma grande revelação no meio da temporada seguida de inúmeras outras nos últimos dois episódios com todos os arcos convergindo no finale e a morte de seu protagonista dando espaço a outro personagem, anteriormente de Ford para Dolores, aqui de Dolores para Caleb.


Desde seu primeiro episódio Westworld não permite espaço para reclamações sobre nenhum aspecto técnico de sua produção, como a genial montagem que traz inicialmente sutis (hoje um pouco mais brutas) mudanças de aspecto de imagem para situar o telespectador em qual nível de realidade a história está acontecendo, ou a belíssima cinematografia com ágeis movimentos de câmera que capturam com exatidão o espetacular trabalho de dublês expostos nas cenas de luta corpo a corpo (provavelmente realçadas com CGI). A direção de arte é o melhor que já existiu na televisão americana onde o contraste entre o sujo porém convidativo velho oeste e salas modernas razoavelmente escondidas dão lugar a arquitetura requintadamente geométrica de neo-Los Angeles em 1953, auxiliada por CGI quase imperceptível.

Mesmo com esse mar de elogios aos setores técnicos da série é necessário esclarecer que nenhuma outra área merece mais louvor que o departamento de som. As famosas cenas de luta perderiam metade do impacto sem o palpável barulho de sangue espirrando ou de uma espada sendo sacada e nesta nova temporada foi desenhado perfeitamente o som das armas e veículos futuristas. O melhor do departamento de som porém, está na trilha sonora de Ramin Djawadi que apesar de ter composto para grandes filmes como Círculo de Fogo (2013) e Homem de Ferro (2008) ficou conhecido pelo grande público após seu trabalho em Game of Thrones (2011 - 2019), trabalho que lhe rendeu 2 Emmys pelos episódios "The Dragon and the Wolf" e "The Long Night". Além de suas composições autorais Ramin tem um ouvido afiado para transformar canções populares em versões instrumentais de um charme clássico com o melhor uso deste recurso sendo exatamente na última cena dessa temporada ao transicionar perfeitamente de sua versão instrumental para a original "Speak to Me / Breathe" do Pink Floyd ao subir os créditos.


A construção de mundo fora do parque não é tão rica em detalhes como a do interior de Westworld mas compensa com uma inovação palpável e que é introduzida organicamente para a série, quem está assistindo consegue entender perfeitamente o funcionamento dos celulares, veículos e transições financeiras neste possível futuro quase sem o uso de diálogos expositivos. Os pequenos detalhes e pedaços históricos desse hipotético futuro como a explosão em Paris, a diplomacia entre países com as novas tecnologias de tradução simultânea e o funcionamento do submundo do crime são fascinantes quando entregues em pequenas doses.

Visualmente a primeira temporada é carregada de referências aos faroestes de John Ford e Sergio Leone o que traz familiaridade e conforto para aquele novo mundo que era original o suficiente em sua composição, em seu segundo ano Westworld veio com um tom (quase) Lynchiano em sua narrativa mas o visual não conseguiu acompanhar e acabou sendo apenas uma versão um pouco mais suja do que tínhamos visto na primeira temporada. O padrão de futuro cinematográfico atual que se vê em quase todos filmes dos últimos dois anos também é empregado aqui mas de forma confortável em um nível quase utópico de uma cidade vivida mas limpa e as referências visuais ficam quase toda a cargo da franquia Exterminador do Futuro (1984 - 2019), homenagem que as vezes beiram o plágio e chega a incomodar mas no geral funcionam e são bem empregadas, arrancam alguns sorrisos.


O roteiro e desenvolvimento da temporada tem mais acertos que erros, os diálogos expositivos que não estavam presentes na parte física da construção do mundo vieram a galope no desenvolvimento da história passada e presente onde em diversas vezes se resolve problemas narrativos com um personagem simplesmente contando a outro o que aconteceu, ou qual seu plano para o que irá acontecer. O terreno foi preparado para a provável saída de Evan Rachel Wood da série com personagens como Bernard, William e Maeve tendo seu tempo de cena reduzido para dar a Caleb a iluminação necessária para assumir o protagonismo na próxima temporada. Entre as duas principais versões de Dolores, a que estava habitando o corpo de Charlotte Hale é a personagem com mais camadas emocionais e espaço pra estudo mesmo com seu tempo de cena não sendo tão grande como em temporadas anteriores, já a que estava em seu corpo original mesmo conseguindo uma conclusão emocionante e bem executada tem em sua personagem limitada a ser uma versão moderna da história de Caesar, o primata da franquia Planeta dos Macacos (1968 - 2017) com algumas pinceladas da nova trilogia mas com maior inspiração no mito de sua existência dos filmes originais.

Não é exatamente uma obrigação do gênero mas se tornou uma constante dentro da ficção científica utilizar uma situação hipotética, geralmente em outra época mas as vezes apenas trabalhando o "e se" para comentar sobre tópicos atuais e nesta temporada de Westworld não foi diferente, com o foco das questões morais sendo claramente a coleta de dados pessoais que é atualmente a moeda de maior valor mundial. A ambiguidade moral dos questionamentos levantados funcionam até certo ponto, não apresentar respostas exatas durante o decorrer da temporada ajuda com o ritmo dos episódios e até alcança certa profundidade filosófica mas torna insatisfatório a espera de oito horas (e consequentemente semanas) ao receber uma resolução simples como "humanos sempre devem ter o poder de escolha", adiantar essa "resposta" seria a melhor escolha dos humanos ao escrever essa história. Tornar a filosofia mais direta deixaria maior espaço para sentimentalismo que só veio em peso real (com exceção do quarto episódio e certos elementos do arco de Caleb) no final do último episódio, algumas cenas como a rebelião humana do finale seriam grandiosas caso houvesse uma moral mais exata disposta há algum tempo.


O debate entre livre arbítrio e determinismo não foi explorado em seu total potencial, ainda há espaço para muitos episódios sobre o tema e a inversão de papéis desta temporada foi fantástica, onde no começo da série era levantado o questionamento se os anfitriões ao acumular memórias e pensamento próprio não se tornavam humanos, agora com o auxílio das inteligências artificiais Solomon e Rehoboan (Salomão e Roboão) a pergunta foi invertida, se todos nossos passos podem ser previstos por supercomputadores, somos diferentes de anfitriões programados? A próxima temporada parece caminhar rumo a revolução em forma de guerra, mas seria interessante manter o foco no debate e extrair tudo o que é possível do assunto.

A adição de Aaron Paul ao elenco foi uma excelente escolha pois Caleb é um personagem carregado de mistérios (que não são recompensados) e camadas, é quase uma tradução de Jesse Pinkman para aquele mundo e junto com Tessa Thompson foram os únicos realmente testados em suas habilidades de atuação nesta temporada, mesmo os dois passando longe de serem os melhores atores do grupo. O resto do elenco todo está ótimo ou pelo menos funcional, mas por ser um elenco tão amplo não houve tanto espaço para uma completa exploração da maioria dos personagens e consequentemente atores.


Ao analisar como um todo o telespectador ganhou novamente uma temporada excelente com uma trama bem distribuída e ritmada, cenas de ação que são desconfortavelmente encaixadas na trama e que estão ali apenas por obrigação mas primorosamente executadas. Há um otimismo quase que velado durante os primeiros episódios que explode no finale em uma espécie de "moral da história" que definitivamente é algo novo para a série e não funciona completamente, é um respiro agradável mas que destoa do tom geral da narrativa. A recepção negativa desta temporada pode ser relacionada a Game Of Thrones pois não apenas colocou os telespectadores da HBO em alerta como também foi rejeitada em comparação ao que foi apresentado anteriormente, qualquer nova série neste nível de qualidade visual e até roteiro seria recebida com grande louvor, uma história de altíssima qualidade.




Nota 8/10

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