Olá, acho que voltei. Depois de alguns meses sem escrever por motivos diversos, como o tempo consumido pelo podcast que estou gravando em parceria com o Felipe ou a eterna ideia de se criar um canal no youtube para o blog que tentei colocar em prática, todos somados com uma certa dose de frustração pessoal pelo número de visualizações que vinha tendo e não ter conseguido me acertar com o AdSense. Das reações que recebi às publicações, grande parte foi direcionada a como meus textos eram "sóbrios" ou direto ao ponto, edição X atuação Y e assim por diante, um olhar um pouco mais binário mesmo quando se discutindo a moral ou a emoção do projeto, então qual a razão desta abordagem mais pessoal? Ou mesmo o que me inspirou a voltar a escrever agora? Algo grandioso precisava acontecer em meu relacionamento com o cinema para o balde voltar a ficar cheio, e aconteceu! Cogitei gravar a crítica em vídeo para estrear o canal em um assunto quente, mas só de pensar na dor de cabeça decorrente de descobrir como se edita um vídeo a partir do zero foi o suficiente para desistir pois prefiro não ter nenhuma lembrança negativa relacionada a Tenet. Chega de enrolação e baboseira pessoal, vamos a crítica.

O filme segue "O protagonista" (John David Washington) que toma posse da palavra "Tenet" e aliado a Neil (Robert Pattinson) tentam salvar o mundo de um inimigo incomum, o futuro. Tenet é uma trama única de viagem no tempo onde não existe deslocamento temporal mas sim "inversão de entropia" ou caminhar no sentido oposto linearmente falando. A sinopse não é importante, e honestamente difícil de se escrever pois grande parte do primeiro ato é confuso ou são as personagens explicando para o público o que acontecerá mais pra frente. 

A cena de abertura do filme é situada na ópera de Kiev enquanto esta é invadida por uma equipe armada e eficiente, imediatamente remetendo as duas últimas entradas da trilogia anterior do autor "Cavaleiro Das Trevas" (2005 – 2012), mas a trilha sonora pulsante de Ludwig Göransson com alguns riffs parecidos com o que The Prodigy fazia em suas músicas mais famosas imediatamente removem o pensamento de qualquer coisa que não seja "Tenet" me inflando com um sentimento de "é... eu vou amar isso". Ludwig conduz sua música como se fosse uma metralhadora, fazendo as explosões e compassos de Hans Zimmer em Dunkirk parecerem as faixas mais suaves de um álbum novo do Kenny G. Não existem palavras exatas no dicionário para explicar o quanto Tenet é barulhento, vá preparado ao cinema.

Jurando que o texto vem do coração mas falhando em escapar do pedantismo devido aos meus talentos escassos como escritor, creio que após alguns milhares de filmes assistidos e se aprofundando um pouco nas filmografias daqueles cineastas que só de ouvir o nome vem a vontade de virar os olhos ocorrem algumas vantagens e desvantagens na experiência de espectador, por um lado junto ao pensamento mais crítico o olho se torna mais treinado para absorver detalhes e nuances que no começo das aventuras como consumidor passariam em branco enquanto por outro lado ao espiar demais atrás da cortina aumenta a habilidade em notar as mecânicas da câmera, dublês ficam mais aparentes, escolha de cortes não estão mais ali à toa e CGI, AH! o CGI, quase tudo computadorizado se torna plástico e sem vida.

Mas qual a razão dessa parada para uma explicação sobre minha maneira pessoal de se consumir cinema? A resposta é simples: Christopher Nolan se transformou em um nome tão popular com seus maneirismos e defeitos tão conhecidos que é necessário se defender, ainda mais como crítico (ou um projeto disso) ao depositar um pouco de amor em sua direção. Seus fãs que o colocam como maior da história e não assistem mais nada não ajudam na simpatia pelo mesmo, o próprio diretor não colabora exigindo a reabertura dos cinemas em meio a uma pandemia ou escrevendo em letras garrafais no poster "filmado em Imax 70mm", e mesmo eu entendendo (e até concordando com) o purismo em relação a experiência cinematográfica, ter o melhor som e imagem disponível, gravar em película e etc, a arrogância de colocar seu filme acima do “resto” causa uma animosidade geral compreensível.

Todas as desvantagens decorrentes do "olho treinado" somem quando um filme de Nolan entra no segundo ato, quando os sentidos já se acostumaram ao barulho excessivo e aos diálogos cem por cento expositivos este que vos escreve se torna novamente um adolescente que não consegue perceber se tem um plano-sequência ou boa atuação ali na tela e só consegue manter a boca aberta com as cenas mágicas sempre dispostas em seus filmes, o poder inventivo toma conta e Christopher Nolan me permite novamente assistir a um filme apenas como espectador. Alguns meses atrás tendo essa mesma conversa com meu parceiro de Mosca Mecânica e famoso odiador do cineasta me foi dito "...isso aí é o editor dele, são cortes tão fluídos e imperceptíveis que o filme te engole" e ali nasceu o medo de perder essa magia que felizmente não ocorreu...

Indo finalmente para a parte técnica, Tenet é um filme montado com perfeição pelas mãos de Jennifer Lame que cola uma cena a outra com ainda mais precisão que seu trabalho anterior em Hereditário (2018) não apenas dando um ritmo explosivo aos consideráveis cento e cinquenta minutos mas também construindo ao lado de Nolan e da cinematografia magistral (pelo menos na parte de movimentos) de Hoyte Van Hoytema cenas de ação nunca antes vistas no cinema. Cenas que por si só já eram extremamente complexas e perfeitamente executadas a primeira vista, ao serem revisitadas com o melhor uso de Efeito Rashomon dos últimos anos são elevadas ao nível do impossível. Aquela deliciosa sensação que existe em uma cena ou outra de "mas como isso foi filmado?" aqui é contínua por ao menos uns quarenta minutos de filme.

Christopher abandona por um projeto seu irmão/parceiro de escrita Jonathan Nolan e desafia ou pelo menos inverte (sem trocadilhos) o conceito de roteiro expositivo. Não há diálogo natural em quase nenhum momento de seu filme, o que é falado tem função narrativa mesmo parecendo construção de emoção ou personagem é sempre em função de levar a pessoa x do ponto A ao B. É como se ele tivesse posto seu texto no papel, feito um origami com o mesmo e o filme é o espectador vendo este papel desdobrar, cinema reduzido ao seu mais básico narrativamente falando, pura experiência audiovisual. É como diz a personagem de Clémence Poésy mostrando as balas invertidas ao "O Protagonista" em um dos milhões de diálogos expositivos (desta vez direcionado ao público) "... não é pra entender, é pra sentir".

É uma frase que faz a pele arrepiar de vergonha e este é o nível do diálogo disposto durante metade do filme, um quebra-cabeça com alguns cones (que alguns chamariam de personagem) nos explicando o que está acontecendo. Tenet pode ser considerado o filho mimado de A Origem (2010) com Dunkirk (2015), possuindo a ideia inventiva e complexa cheia de exposição do primeiro com o abandono de construção emocional e foco no primor técnico do segundo (não que A Origem não seja um primor técnico, mas o foco ali ainda é o texto). Nolan cria uma autoparódia que funciona e não vai decepcionar seus fãs e talvez até conquiste um ou outro de seus detratores com o total abandono de se fazer um filme mais convencional, se mantendo assim no trono do cinema pipoca sem previsão para perder seu reinado.

Ao longo da história existem alguns filmes que alcançam um primor técnico tão grande que merecem ter seus defeitos ignorados, a última cena mastigadinha e fora de tom de Psicose (1960) diminui as inovações que o mesmo trouxe para a mídia? O começo lento de Alien (1979) o torna uma obra-prima de menor valor? Os últimos vinte minutos desnecessários de Cinzas no Paraíso (1978) diminuem as imagens mais belas já gravada em filme? Tenet mesmo tendo mais defeitos que os citados anteriormente deve ser posto neste mesmo patamar de primor técnico, quem acompanha o blog ou o podcast sabe do meu amor por cenas de ação com geografia de cena bem desenvolvida e a arquitetura da ação de Tenet entrega perfeição no quesito. Centenas de pessoas envolvidas, explosões, gente correndo pra frente e gente no sentido inverso dividindo a tela e tudo isso sem ser possível notar um pingo de CGI ou dublês óbvios no lugar dos atores principais. A segunda metade de Tenet necessita entrar na história do cinema de ação então passe muito álcool em gel, use sua máscara, sente longe de todo mundo e aproveite depois de um ano de blog a primeira...




Nota 10/10


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